segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Leonardo Boff - Saber cuidar

Capitulo I
Sintomas da crise civilizacional
Mais que eu o fim do mundo estamos assistindo ao fim de um tipo de mundo. Enfrentamos uma crise civilizacional generalizada. Precisamos de um novo paradigma de convivência que funde uma relação mais benéfica para a Terra e inaugure um novo pacto social entre os povos no sentido de respeito e preservação de tudo o que existe e vive. Só a partir desta mutação faz sentido pensarmos em alternativas que representem uma nova esperança.
Há um descuido e abandono crescente na sociabilidade das cidades. A maioria dos habitantes sentem-se desenraizados culturalmente e alienados socialmente. Predomina a sociedade do espetáculo, do simulacro e do entretenimento.
Remédios insuficientes
O ser humano moderno criou um “complexo de Deus”. Comportou-se como se fora Deus. Através do projeto de tecnociência pesou que tudo podia, que não haveria limites à sua pretensão de tudo conhecer,de tudo dominar e de tudo projetar.
O decisivo não são as religiões, mas a espiritualidade subjacente a elas. É a espiritualidade q une, liga e re-liga e integra.
Ao “complexo de Deus” devemos propor “o nascimento de Deus” dentro de cada pessoa e da historia da humanidade, e sua epifania do universo.
A moral é importante. Mas se não nascer, no contexto de uma nova aliança de paz e de sinergia para com a Terra e com os povos que nela habitam, ela pode decair num moralismo enfadonho e farisaico e transformar-se num pesadelos das consciência.
Mas a serviço de que projeto de ser humano, de sociedade e de mundo utilizamos o poder da ciência e da técnica?
Ainda não se criou uma consciência de que o visível é parte do invisível. A física quântica demonstrou a profunda interconexão de tudo com tudo e a ligação indestrutível entre a realidade e o observado; não há realidade em si, desconectada da mente que a pense; ambas são dimensões de uma mesma realidade complexa. O universo é consciente.
Indicações para o caminho certo
Devemos aprender de todas estas propostas, mas cavar mais fundo, ir mais longe e evitar soluções calcadas sobre uma única razão. Importa inserir outras dimensões para enriquecer nossa visão. Nesse sentido as respostas vem sendo formuladas concretamente pelo conjunto das pessoas que vem ensaiam práticas significativas em todos os lugares e em todas as situações do mundo atual.
Uma nova ética a partir de uma nova ótica
Importa constituir um ETHOS que permita uma nova convivência entre os humanos com os demais seres da comunidade biótica, planetária e cósmica.

Capitulo II

O que se opõe ao descuido e ao descaso é cuidado. Cuidar é mais que um ato, é uma atitude. Portanto, abrange mais que um momento de atenção, de zelo e de desvelo. Representa um atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e de desenvolvimento afetivo com o outro.
O cuidado como modo-de-ser essencial
Quer dizer, o cuidado se encontra na raiz primeira do ser humano, antes que ele faça qualquer coisa. O cuidado entra na natureza e na constituição do ser humano. O modo-de-ser cuidado revela de maneira concreta como é o ser humano.
Que imagem do ser humano projetamos quando o descobrimos como um ser no mundo como outros sempre relacionando, construindo seu habitat, ocupando-se com as coisas, preocupando-se com as pessoas, dedicando-se aquilo que lhe representa importância e valor e dispondo-se a sofrer e a alegrar-se com quem se sente unido e ama? O ser humano é um ser de cuidado, mais ainda, sua essência se encontra no cuidado. Cuidando em tudo o que projeta e faz, eis a característica singular do ser humano.

Capitulo V

O que é fabula? O que é mito?
Fabula é uma narrativa imaginária cujos personagens são, via de regra, animais, planta ou a personificação de qualidades, virtudes e vícios, com o objetivo de transmitir lições morais ou tornar concreta uma verdade abstrata.
Mito é algo muito complexo pelas ambigüidades que encerra. Na linguagem comum da comunicação de massa, mito pode vincular uma visão reducionista, ocultadora e interesseira da realidade. Equivale então a ideologia.

Capitulo VII

A filologia da palavra cuidado
Segundo dicionários clássicos de filosofia, alguns estudiosos derivam cuidado do latim cura. Em sua forma mais antiga, cura em latim se escrevia coera era usada contexto de relação de amor e de amizade.
Cuidado somente surge quando a existência de alguém tem importância para mim. Passo então a dedicar-me a ele, disponho-me a participar de seu destino, de suas buscas, de seus sofrimentos e de seus sucessos, enfim, de sua vida.
A atitude de cuidar pode provocar preocupação, inquietação e sentido de responsabilidade. Por sua própria natureza, cuidado inclui, pois duas significações básicas, de solicitude e de atenção para com o outro. A segunda, de preocupação e de inquietação, porque a pessoa que tem cuidado se sente envolvida e afetivamente ligada ao outro.

Capitulo VIII

O amor como fenômeno biológico

Na natureza se verificam dois tipos de acoplamentos dos seres com o meio, um necessário e outro espontâneo. O primeiro, o necessário, faz com que todos os seres estejam interconectados uns aos outros como garantia para a sobrevivência. Outro acoplamento que acontece espontaneamente, trata-se de encaixes dinâmicos e recíprocos entre os seres e os sistemas orgânicos. Quando um acolhe o outro e assim se realiza a co-existência, surge o amor como fenômeno biológico. Surge o amor ampliado que é a socialização. O amor é fundamento do fenômeno social e não uma conseqüência dele. É o amor que dá origem a sociedade, a sociedade existe porque existe o amor e não ao contrario. Se falta amor (o fundamento) destrói-se o social. Se o social persistir, ganha a forma de agregação forçada, dominação e de violência de uns contra os outros, coagidos a encaixar-se. Não foi a luta pela sobrevivência do mais forte que garantiu a persistência da vida e dos indivíduos ate os dias de hoje, mas a cooperação e a co-existência ente eles.
A regra de ouro: a justa medida
Nos confrontamos com a questão da justa medida entre o modo-de-ser-trabalho e o modo-de-ser-cuidado. A justa medida se alcança pelo reconhecimento realista, pela aceitação humilde e pela ótima utilização dos limites, conferindo sustentabilidade a todos os fenômenos e processos, a Terra, as sociedades e as pessoas.
O que é imprescindível não é o saber, afirmam, mas o sentir.
A convivência necessária
A crise do processo industrialista. A relação do ser humano sobre o instrumento se tornou uma relação do instrumento sobre o ser humano. Criado para substituir o escravo, o instrumento tecnológico acabou por esvaziar o ser humano ao visar a produção em massa.fez surgir uma sociedade de aparatos e sem alma.

Capitulo IX

Cuidado com próprio nicho ecológico

O cuidado com a Terra representa o global. O cuidado com o próprio nicho ecológico representa o local. O ser humano tem os pés no chão(local) e a cabeça no infinito(global). O coração une chão e infinito, abismo e estrelas, local e global. A lógica do coração é a capacidade de encontrar a justa medida e construir o equilíbrio dinâmico.
Cuidado com a sociedade sustentável
Não se trata somente de impor “limites ao crescimento”, mas de mudar o tipo de desenvolvimento. Diz-se que o novo desenvolvimento deve ser sustentável. Não existe desenvolvimento, mas sim uma sociedade que opta pelo desenvolvimento que quer e precisa. O desenvolvimento é um processo econômico, social, cultural e político abrangente, que visa o constante melhoramento do bem-estar de toda a população e de cada pessoa, na base de sua participação ativa, livre e significativa e na justa distribuição dos benefícios resultantes dele.
É na acolhida ou na rejeição, na aliança ou na hostilidade para com o rosto do outro que se estabelecem as relações mais primarias do ser humano e se decidem as tendências de dominação ou de cooperação.

Conclusão
O cuidado imprimiu uma marca registrada em cada porção, em cada dimensão e em cada dobra escondida do ser humano. Em o cuidado o ser humano se faria inútil. Hoje, na crise do projeto humano, sentimos a falta clamorosa de cuidado em toda parte. Não busquemos o caminha da cura fora do ser humano. O ETHOS esta no próprio ser humano, entendido em sua plenitude que inclui o infinito. Ele precisa voltar-se sobre si mesmo e redescobrir sua essência que se encontra no cuidado. Que cuidado aflore em todos os âmbitos, que penetre na atmosfera humana e que prevaleça em todas as relações! O cuidado salvará a vida, fará justiça ao empobrecimento e resgatará a Terra como pátria e mátria de todos.

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